Literatura ou Pornografia?

dezembro 21, 2011 § 3 Comentários

Postaram no facebook o seguinte link:

Da Oi ao MAM: como interesses empresariais limitam a arte

“Entre outros papéis, a arte cumpre a função de trazer uma série de questionamentos para dentro das galerias — e, posteriormente, para fora dela. Daí a importância que as pessoas tenham acesso ao que é produzido artisticamente. A arte que rompe parâmetros estabelecidos precisa de espaço dentro da sociedade para ser vista e discutida. Censurada, editada ou escondida, a arte não fará diferença alguma.”

 
A palavra CENSURA aparece pelo menos 10 vezes neste link, o que mostra como gostamos de usar essa palavra para qualquer coisa.
Só que não existe censura nenhuma nisto, as fotografias não foram confiscadas, destruídas ou impedidas de circular. A Oi tem todo o direito do mundo de escolher que tipo de material irá patrocinar e ASSOCIAR à sua marca. Sem falar que esse é mais um projeto da lei rouanet, grande mamada do governo que quando financia blogs de milhões de reais todo mundo critica. Mas se a Oi não acha apropriado;
“A artista aceitaria que as imagens ditas impróprias fossem retiradas da exposição, desde que ela pudesse substituí-las por cartazes de “censurado”. Diante de tal condição, a Oi decidiu cancelar a exposição.”

hahahaha, que piada, só se a Oi quisesse dar um tiro no próprio pé. Surgem os gritos:

CENSURA! VIVA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO!

Desde quando depender de dinheiro publico = liberdade de expressão?
Um  colega envolvido na discussão me responde:

“Nem tudo se encaixa na lógica do capital, Leo. O teatro, por exemplo, precisa constantemente de financiamento, por exigir gastos altos em sua montagem.”

 
Que teatro é esse?  Será um festival de teatro que teve aqui em Salvador, patrocinado pelo dinheiro publico; onde eu fui assistir uma peça e descobri que todos os assentos estavam reservados a convidados – onde fizeram os interessados que chegaram cedo e com dinheiro para pagar o ingresso esperar na porta para ver quantos assentos iriam sobrar e só depois liberaram a entrada?

Durante o periodo do festival milhares de panfletos foram distribuídos pela cidade. Mas se não há assentos para o público, pra que serve divulgar? Só se for para encher as gráficas de dinheiro.
É a politica do edital que distancia a arte do publico, pois todo o dinheiro que o artista precisa para montar sua peça, exposição, etc vem do governo e não é necessário se preocupar com a plateia.
compartilho um comentário que cruzei na internet

 

“É usar dinheiro do povo p fazer filmes q 3 intelectuais vão assistir. Temos q usar mais o espelho. Existem dois tipos de brasileiros. Os q trabalham no mercado de verdade, empresários, autônomos e empregados. Q pagam impostos q sustentam uma classe totalmente absurda. Funcionário públicos. Verba pública. Eles tem segurança, aposentadoria integral. Então o brasileiro “normal” paga salários, aposentadorias, filmes q ninguém vê. Como crescer desse jeito? Hollywood é grana. Mundo real. Não vendeu perde o emprego.”

 
Mas como dito antes; a lógica do capital não é suficiente, me dizem:
“Uma produção teatral, uma exposição, entre outras expressões artísticas, não tem condição de se sustentar em bilheteria. Exposição tem bilheteria? Quem paga? O financiamento da cultura passa a ser uma obrigação do estado nesse aspecto.”

 
Pois eu dispenso uma arte que depende do estado para existir

 
‎1 milhão para criar um blog pra Maria Bethania tá beleza então né? é dever do estado? Prefiro a lei do “não vendeu perde o emprego.”

 
Mas ainda não é suficiente:

 
“Essa frase que você destacou mostra bem a arte submetida à lógica do capital. Nem toda arte se sustenta no mercado, como mercadoria. O financiamento é, então, indispensável. Nem toda arte vende.”

 
O ponto é; não é dever nem do Estado nem da Oi divulgar qualquer material que qualquer artista tiver para expor. Existem outros meios para divulgar seu trabalho que não envolvem dinheiro público. Acusar a empresa de censura é mimimi de uma classe que está viciada no sistema de editais da lei rouanet, canalhice e difamação que só faz prejudicar a imagem da “empresa de telefonia”. E não quero nem saber qual foi o valor desse projeto em questão.
No fundo, acho que essa lei de incentivo é uma merda, uma verdadeira mamada

 

porque você não produz nada
se você fosse artista
produtor

 

Coitados artistas – vocês viram quanto Nando Reis conseguiu da lei rouanet? Nando Reis é um cara que precisa de apoio pra fazer show? 1 milhão pra Nando reis e ele ainda cobra ingresso de 80 reais:

 
se isso não for mamada do governo
me diz o que é

 
Estes que criticam os “Interesses Empresariais” falam como se estivessem defendendo uma arte marginal, instigante, de denuncia, quando na verdade se trata do extremo oposto; uma arte que não dá a mínima pro publico e sobrevive do dinheiro da elite e do governo corrupto!

 
E ainda ouço que este tipo de patrocínio torna possível uma arte intelectual, superior:

 
você não acha que já tem incentivo demais pra merda não? Mesmo que eu não goste de alguma coisa do tipo é um incentivo a outro tipo de arte.
[uma arte que] não dá a mínima pro público ignorante, cara!
é um ponto contra a bufarês

 

neste momento pensei estar falando com Ed Motta

 

 

 

 

 

 

 

Vamos falar de arte séria agora? arte que provoca o Establishment?

 
“E isto então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza….”
tropico de câncer

 
Se dependesse de incentivo do estado Henry Miller nunca teria publicado um livro, e a proibição dele, que durou ~30 anos, não impediu dele ser conhecido e lido no mundo todo.
publicou o livro com recursos próprios.

 

“A orla da baía e o horizonte continham uma massa líquida verde opaca. Uma tigela de porcelana ficara ao lado do leito de morte dela contendo a bile que parecia uma lesma verde arrancada de seu fígado apodrecido em seus ataques de vômito e de altos gemidos.”
ulisses

James Joyce Ficou proibido durante ~10 anos.
Os dois se tornaram grandes artistas por seus próprios meios e a história da publicação de ambos os livros são exemplos de perseverança e força de vontade.*

Será que eles acusavam de censura todas as editoras que não quiseram publicar os livros deles, será que faziam muitas concessões para seus editores, ou será que continuaram a escrever de seu modo, conquistando seu espaço independente do apoio de forças maiores?

 
um recadinho para o outraspalavras:

Mesmo censurada, editada ou escondida, a verdadeira arte fará a diferença!

 

 
*uma palavrinha extra sobre os processos contra Ulisses e Tropico de Cancer; eles não derrubaram as leis contra pornografia. Para serem publicados livremente foi preciso removê-los desta categoria. Os livros passaram a ser considerados “não-obscenos” na balança que pesou pro lado da “arte”. Recomendo a leitura do prefácio de Otto Maria Carpeaux -do qual roubei o titulo neste post- ao livro Mundo do Sexo de miller onde se trata da historia de proibições de livros desde madame bovary.

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§ 3 Respostas para Literatura ou Pornografia?

  • Caro Leonardo,

    No meu texto, em nenhum momento eu defendo a Lei Rouanet. Eu estabeleço que ela existe e como ela funciona, mas não a defendo, eu não digo que o Estado TEM obrigação de patrocinar a arte: “Através da Lei Rouanet, o Estado brasileiro confere às empresas autoridade para escolher qual arte será financiada pelos cofres públicos. Quando entregamos para grandes corporações a decisão do que é arte e do que não é, do que será visto pelo público e do que não será, estamos entregando para estas empresas o direito de não nos deixar ver algo que talvez mudasse nossa forma de encarar a realidade”.

    Eu também digo que a Oi não tem obrigação de hospedar uma exposição: “Claro que a Oi tinha o direito de não hospedar em seu espaço algo com que não esteja de acordo. Afinal, é uma empresa. Por outro lado, fica a pergunta: se, para participar de um edital, um artista visual precisa enviar as imagens de seu trabalho — e se essas imagens foram aprovadas e, depois, desaprovadas —, qual o critério utilizado pela Oi para selecionar os trabalhos? O currículo dos autores? O fato de alguém ter participado de milhares de outras exposições pelo mundo?”

    Ou seja, meu texto tem mais a ver com o questionamento do critério usado, do que dizer que A) a Oi tem obrigação de hospedar qualquer exposição em seu centro cultural. B) que a Lei Rouanet é ótima.

    Como artista, acho extremamente problemático o uso de Henry Miller como exemplo de como a arte deve ser financiada. O fato de ele ter conseguido publicar seus livros com “recursos próprios”, não é garantia de que TODOS consigam fazê-lo. Muitos potenciais artistas tiveram que desistir de sua produção para sobreviver ou morreram de fome.

    Muita gente gosta de citar Van Gogh e dizer que jamais vendeu um quadro em vida e nem por isto desistiu de sua arte. Esta mesma gente esquece de dizer que Van Gogh foi patrocinado a vida inteira por alguém que entendia o valor daquilo que ele produzia: seu irmão Theo.

    E todos os artistas que não têm um irmão abastado para prover enquanto eles criam? O que devem eles fazer? Morrer de fome? Desistir da arte?

    Como artista, eu sobrevivo dando aulas, fazendo trabalhos comerciais, escrevendo, e respondo a um ou outro edital, especialmente para conseguir espaço para expor meu trabalho. Tenho muitas críticas à forma como o sistema está construído, mas está errado jogar a culpa da formatação do sistema no colo do artista como se ele o tivesse criado.

    Onde mais você acha que o artista tem espaço para expor seu trabalho, Leonardo? Na rua, a exposição de arte é considerada vandalismo. Sobram galerias, museus, o metrô, e tudo isto fica disponível por meio de editais e patrocínio alheio.

    Mas há contas a pagar, não é? Um dos meus projetos de retrato custou, do meu próprio bolso, 5 mil dólares. E por falta de “recursos próprios” eu parei o projeto no meio. Tenho mais de 45 rolos de filme para escanear, mas tenho também que “ganhar a vida” e pagar as minhas contas básicas: aluguel, alimentação, equipamento. Se houver um edital e se eu ganhá-lo e puder assim tocar meu projeto, não vou considerar que estou vivendo às custas de ninguém, porque vejo o valor daquilo que produzo.

    Acho que você ganharia muito em se informar melhor sobre como o sistema todo funciona e a partir daí, escrever críticas a este sistema.

    Ah, e o patrocínio da Oi foi de 300.000 reais.

    Elaine Santana

    • Muito obrigado pela dignissima resposta. Os argumentos de que o estado ‘TEM obrigação de patrocinar a arte’ e a defesa da Lei Rouanet realmente não vieram do seu texto, mas das reações que colhi no meu circulo de amizades e que talvez reflitam a opinião de muitas outras pessoas. O exemplo que usei de Henry Miller e Joyce não são a regra, mas mostram que censura e rejeição não são suficientes para impedir que a arte apareça como afirmado na chamada do post. Aqueles que conseguirem recursos para montar suas exposições e publicar seus livros devem fazê-lo; mas patrocínio não é o único caminho! O motivo pelo qual escrevi meu texto foram os gritos de CENSURA atirados contra a Oi, e a possível transformação da Nan Goldin em mártir; o post faz parecer que vivemos em uma ditatura repressora quando na verdade nunca o artísta dispôs de tantos meios para se tornar notório. Repetindo o que escrevi “não existe censura nenhuma nisto, as fotografias não foram confiscadas, destruídas ou impedidas de circular”, vi inclusive que as fotos serão expostas no Rio de Janeiro. Eu mesmo, que não conhecia o trabalho da Nan Goldin, e nem moro nas duas capitais em questão, pude ver suas fotografias na internet. Afirmar que os interesses empressariais controlam meu acesso à informação é questionavel, e no caso Nan Goldin x Oi – facilmente derrubado.

      • Leonardo,

        Censura é usar algum tipo de poder para coibir ou proibir a livre expressão. É o escrutínio, revisão seguido de corte de parte ou do todo de um trabalho. A Oi usou o poder que tinha: se a artista quisesse expor seu trabalho (já aprovado um ano antes) teria que retirar fotos que, por ela artista, ela exporia. A Oi não tem o poder de impedir a circulação do material da artista fora de suas galerias. Ela censurou o material DENTRO do seu espaço. O que vc vai me dizer, é um direito deles, já que são uma empresa, tomam certas iniciativas pensando em lucros e na divulgação (positiva) do próprio nome. Sim. E daí, entra outra questão:

        Acho que você é escritor, talvez não tenha familiaridade com o processo para se expor material visual produzido. A empresa ou governo publica um edital com as regras e prazos. Você, artista, envia o material (fotos, imagens dos quadros ou instalação), explicando a importância do seu trabalho e anexa curriculo e planilha de custos (algumas empresas também exigem carta de recomendação). A empresa recebe um número X de inscrições, escolhe o que achar mais interessante, viável, etc. e avisa o artista que seu projeto foi aprovado. Ou seja, para aprovar uma exposição, a Oi, obrigatoriamente teria que ter visto o material da artista, certo?

        Foi uma falta de profissionalismo tremendo eles aprovarem a exposição e um ano depois, quando a exposição já estava pronta, (e demora, viu? para organizar uma exposição deste porte, com mais de 1000 fotos) resolverem que não querem mais a exposição ali.

        Verdade, a exposição vai acontecer em fevereiro, no MAM. Mas o MAM teve que mexer na sua agenda já organizada do ano inteiro para conseguir encaixar a expo da Nan.

        Eu não acho que a Nan é mártir e detesto quando uma discussão séria entra nos termos de “coitadinho deste”, “coitadinho daquele”. A Nan é uma artista renomada, reconhecida, e muito bem paga pelo seu trabalho. Ela não é coitadinha, nem é mártir, e meu texto também não tentou transformá-la em tal. O que meu texto tentou fazer, foi levantar a discussão sobre os critérios sem profissionalismo usados pela Oi para aprovar o material de um artista para ser exibido. E o poder dado pelo governo para que esta e outras empresas o façam. Poder este dado pela sociedade.

        Então, enquanto sociedade, temos o direito de saber por que esta exposição e não aquela. Quem decide que arte é boa e que arte não é? A Oi? Quem decide o que é pornografia, o que é abuso, o que não tem valor e o que tem? Uma empresa que vende serviços de telefonia? Sério mesmo que como sociedade, a gente entrega para a Oi o direito de decidir sobre isto?

        Por fim, a internet também tem sua arbitrariedade, já que as buscas não vão mostrar o todo do trabalho e muito menos mostrá-lo como a artista o pensou. No Outras Palavras, decidimos publicar fotos mais polêmicas, mas eu também não tive acesso a todo o material dela.

        Concordo com você: como artistas, não podemos ficar sentados esperando cair um patrocínio do céu. E absolutamente discordo de quem diz que a arte tem que ser financiada completamente pelo Estado. Mas acho que o Estado tem um papel aqui, que é justamente de democratizar o que vai ser financiado e o Estado está entregando esta responsabilidade para empresas privadas que só querem divulgar seu nome e aumentar seus lucros. Com esta história, ficou bem claro para mim, que a Oi não tem interesse nenhum em formar seu público.

        Desculpe pelo comentário extra comprido.

        Abraços,
        Elaine

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